Atenção: o texto a seguir contém spoilers do oitavo e do nono episódios de “Digimon Adventure:”.


Anteriormente, em Digimon Adventure: (gravado assim mesmo, com os dois pontos): Mimi e Joe enfim foram introduzidos, agregando um pouco mais de bom humor à trama e, de quebra, abrindo a oportunidade para que o roteiro os desenvolvesse de maneira mais particular. Foi bom, para variar, acompanhar personagens com camadas dentro do animê.

 

No oitavo episódio, explosões, gritaria, confusão… e Matt!

Após enfim conseguirem atravessar o oceano para chegar ao continente, nossos adoráveis digiescolhidos atracam próximos de uma misteriosa fortaleza, carregada de digimons com partes canhões em seus corpos que guardam o local ante invasores enxeridos. E vocês sabem como Taichi (Tai) e os demais adoram meter o nariz onde não são chamados, então é claro que tudo se tornaria uma grande bagunça naquele litoral.

Brincadeiras à parte, foi bastante interessante a proposta desse oitavo episódio em, todo ele, retratar uma “operação” de invasão dos digiescolhidos. E também foi bastante interessante ela ser tão mal planejada, pessimamente executada e porcamente irresponsável. Afinal, ela partiu das consequências do ato isolado de um dos personagens, rolando como uma bola de neve que envolveu todos os outros, ativa ou passivamente.

A atitude, no caso, foi tomada pelo Yamato (Matt), que finalmente se juntou ao grupo principal, mas optou por subestimá-los, tentando passar por um (literalmente) exército de inimigos sozinho. Deu errado, como era de se esperar, o que obrigou as demais crianças a intervirem, fazendo da investida toda um resumão daqueles arcos “12 casas” (onde o grupo vai atravessando do ponto A ao ponto B, perdendo integrantes que lidarão com os adversários ao longo do caminho).

O resultado foi muito bacana de assistir, rendendo o melhor episódio de ação da série até então. Foram várias as sequências realmente preocupantes, onde a impressão de perigo foi muito bem construída. Minha predileta:

A com o Joe amarrando uma toalha branca num graveto e balançando em sinal de paz, acreditando que os inimigos cessariam fogo com isso. Os segundos todos com o resto da galera percebendo que isso ia dar errado, até que os canhões são apontados para ele, são de tirar o fôlego.

Esse oitavo episódio garantiu entretenimento do início ao fim, fazendo jus ao excelente oitavo episódio da série original de 1999, mesmo indo por um caminho narrativo totalmente diferente. Enquanto há duas décadas a criançada era inserida num cenário que homenageava filmes de horror sobrenatural dentro da mansão do Devimon, com o grupo se separando ao fim, as inspirações aqui vão mais para longas hollywoodianos de guerra, com a turma se juntando no final. Uma pérola em roteiro e no cuidado com a animação (eles capricham até nas escolhas de ângulos).

Uma pena o que vem em seguida ser de tão baixo nível.

 

E no nono episódio… chifres?

Poderia ser o título de uma música do Falcão.

O capítulo seguinte serviu para mostrar as consequências deles terem conseguido invadir a fortaleza inimiga. O prêmio pela conquista foi mais um punhado de informações do lore daquele universo, descritas num relatório em tábuas cujos ideogramas só eram acessíveis ao Taichi, que pode decifrá-los (ao menos parte deles) a partir de seu digivice:

Digitradutor

Calha que os digimons sagrados, apresentados no folclore do Digimundo episódios atrás, foram capturados por forças do mal, aliadas aos que guardavam aquela fortaleza. Então, agora, a molecada precisa encontrar onde está a base de operação principal desses vilões para libertar os digimons sagrados, o que pode ajudá-los a salvar a dimensão inteira, livrar a cidade de Tóquio do apagão e, finalmente, permitir que eles retornem em segurança para casa. O problema é que eles não têm ideia de onde fica isso. Portanto, planejam capturar algum dos digimons inimigos e tirar essa informação dele (através de tortura? Meu deus, digiescolhidos!).

Paralelo a isso, Devimon não gostou nada de ver seu forte litorâneo tomado por um bando de pirralhos abelhudos. Vejam seu olhar macabro enquanto faz uma chamada de vídeo/sonar com o Ogremon:

Puxa!

Resta ao Ogremon ir ele mesmo fazer o trabalho sujo e destronar os digiescolhidos com as próprias mãos. E é aí que as coisas começam a desandar.

O subplot todo com o Greymon tendo quebrado os chifres do Ogremon, com ele ficando ressentido nisso, já que seus cornos seriam um sinal de orgulho, até que daria pano pra manga. Levando em conta que ele é baseado num 鬼 (um Oni, que pode ser traduzido de várias maneiras para várias criaturas místicas aterrorizantes, mas encaixa mais no contexto de monstros “ogros” chifrudos do cancioneiro nipônico em design de personagem), isso faz sentido dentro do conjunto de características mitológicas que montam seu background. O que não faz sentido é esse senso de honra interferir em todo o resto.

Em dado momento, o Ogremon salva a vida dos digiescolhidos, sem motivo concreto nenhum (ele poderia continuar brigando com o Greymon sem interferência alguma). O argumento apresentado no episódio, dele ter começado a gostar de lutar, é muito fraco. E piora ainda com a total falta de esmero na animação, com uma porção de cenas estáticas, repetições e quase nenhuma criatividade na movimentação do combate. Quando o MetalTyrannomon aparece, chega a ser desconfortável.

A riqueza de detalhes, fluidez e demais pontos positivos que vinham sendo destacáveis ao longo da temporada desapareceram de uma hora para outra aqui. Seria um reflexo das dificuldades geradas pelo avanço da COVID-19 no Japão? Vai saber.

Pelo menos, fomos brindados com essa entrada triunfal do Kabuterimon, fazendo uma pose icônica ao chegar no pedaço…

Mas enfim, tendo em vista que a primeira super digievolução aparentemente já rolará no próximo capítulo, imagino que as semelhanças de roteiro com a série original terminem por aqui. É esperar para ver e torcer para que, eventualmente desbravando um lugar 100% original, o animê melhore em vez de piorar. Mas se o episódio 9 foi um deslumbre disso, as expectativas são bastante pessimistas.


Comentários dos episódios 1, 2, 3, 4 e 5, 6 e 7.


Com transmissão simultânea ao Japão por aqui através da CrunchyrollDigimon Adventure: é um reboot do animê original de mesmo nome (mas sem os dois pontos), produzido pela Toei Animation, em 1999. Assista aqui.

Sinopse pela Crunchyroll:

É o ano de 2020. A Rede tornou-se algo indispensável para a vida dos humanos. Mas o que eles não sabem é que, por trás da Rede, existe um mundo de luz e trevas conhecido como o Mundo Digital, habitado pelos Digimons. Quando Taichi Yagami tenta salvar sua mãe e sua irmã, que estão a bordo de um trem desgovernado, ele entra na plataforma… e um estranho fenômeno o leva para o Mundo Digital. Ele e outros Digiescolhidos encontram seus parceiros Digimons e embarcam numa aventura em um mundo desconhecido!

O roteiro é assinado por Atsuhiro Tomioka, que já trabalhou em várias séries infantis como BuckyHamtaroSuper Onze Pokémon. No Japão, o animê substitui o horário de GeGeGe no Kitarou na FujiTV, série que se encerrou ao fim da última temporada de inverno japonesa e também foi exibida por aqui pela Crunchyroll.