No mês de outubro a NewPOP publicou sua primeira light novel yuri, Me Apaixonei pela Vilã (Watashi no Oshi wa Akuyaku Reijou), da autora Inori. A obra era muito aguardada pelos fãs do gênero, embora não só por eles, uma vez que o livro acabou se tornando bastante conhecido devido ao contato mais próximo que a autora mantém com os fãs por meio de seu perfil no Twitter. Por causa disso, o livro foi bastante comentado nas redes sociais e uma vez que a resenha tarda, mas não falha, vamos conversar um pouquinho sobre a obra.

Me Apaixonei pela Vilã é uma história que segue Rei, uma funcionária de uma empresa japonesa vivendo uma vida comum e cansativa, que busca seu refúgio nos jogos de videogame. Certo dia, ela morre e reencarna como a protagonista de seu jogo de romance favorito, Revolution. O jogo oferece as rotas de diferentes personagens masculinos, mas a personagem favorita de Rei é Claire, a vilã da história, com quem, na concepção da protagonista, parece muito melhor viver um romance.

Imagem: Capa japonesa do 1º volume da novel 'Me Apaixonei Pela Vilã'.

Divulgação: GL Bunko/Ainaka.

O enredo da novel de Inori é simples e criativo, um isekai do gênero yuri. Entretanto, falar sobre o primeiro volume de Me Apaixonei pela Vilã não é uma tarefa tão simples quanto o enredo da história. É interessante observar o livro por mais de um viés, portanto, esse texto pretende comentar brevemente alguns aspectos da light novel e, para isso, ele será dividido em três partes: texto, edição e enredo.

O texto per se

Elocução e narração

Uma das primeiras impressões que se tem ao se começar a ler o primeiro volume de Me Apaixonei pela Vilã é que a tradução parece um pouco esquisita. Talvez devêssemos estar falando disso na parte desse texto que vamos discutir a edição da NewPOP propriamente, mas não tem como começar a falar do texto da light novel, considerando a versão publicada no Brasil, sem partir desse primeiro ponto.

Existe uma escolha lexical curiosa – a qual vamos tratar de alguns casos específicos mais para frente – que várias vezes soa um tanto fora do lugar. Para além da questão lexical, que em vários momentos nos dá a impressão de que outra palavra se encaixaria melhor no contexto, ocorre mais de uma vez a separação de orações coordenadas. Caso você não saiba, orações coordenadas são orações relacionadas mais pelo sentido do que pela sintaxe, como as adversativas que utilizam “mas”, por exemplo.

O problema dessa tradução que parece um pouco fora do lugar, é que o texto se torna um tanto desconfortável de ler. Não soa natural, algumas vezes soa até incomodo e um texto desconfortável de ler influencia no prazer da leitura e na experiência de leitura como um todo, tornando esse aspecto da tradução um problema.

Entretanto, a questão textual de Me Apaixonei pela Vilã está além de uma tradução que soe um pouco fora do lugar. A narrativa do primeiro volume é consideravelmente amadora. Ela não é apenas simples, mas sim simplista. Logo no comecinho, por vezes não há praticamente narração nenhuma e existem algumas quebras de cenas compostas unicamente por diálogos sem qualquer descrição ligando uma cena à outra, nem que seja pra fazer correlação temporal. Parece um roteiro de mangá.

Mesmo quando os diálogos são engraçados, eles perdem grande parte do impacto por não haver contextualização nenhuma. A ideia é boa, mas a execução causa uma verdadeira autossabotagem. A falta de uma narração que descreva ao menos minimamente a cena, o contexto e a emoção dos personagens dificulta bastante a imersão na narrativa.

Enquanto você lê, por vezes, sente que está quase alcançando a conexão real com a história, algo a mais do que uma leve risada em um momento específico, porém esse momento não chega. É como tentar dar partida em uma moto que só afoga e nunca liga.

De novo: parece um roteiro de mangá. Parece algo escrito para que uma outra pessoa venha e complete com a arte. E, justamente por isso, a versão mangá da obra funciona incrivelmente melhor. A arte completa os diálogos de Inori e dá o tom cômico que ela deseja incutir nas cenas, tornando a experiência muito mais divertida.

Imagem: Cena do mangá.

Mangá de ‘MAPV’. | Reprodução.

O fato de estarmos lendo uma tradução obviamente influencia muito na experiência de leitura, mas mesmo em japonês o texto da novel tem problemas de narrativa bem básicos. É verdade que não é incomum narrativas japonesas inserirem diálogos de forma mais direta e com menos preâmbulos do que as histórias brasileiras, americanas e européias, e também é verdade que é característico de light novel ter parágrafos mais curtos, porém, existe uma dificuldade em fazer com que a narrativa alcance o leitor. Falta um pouco de tempero.

Mesmo a versão japonesa, na qual as sentenças soam obviamente naturais por ser a língua original, ainda persiste um pouco esse problema do texto ser bem simples e não ter muito charme, em outras palavras, o caráter de roteiro.

Com o passar dos capítulos, começa a haver uma narração um tanto mais elaborada, mas ainda assim tudo costuma ser bastante básico e às vezes as coisas aconteçam num pique meio videogame. Resumindo, o texto do primeiro volume acaba deixando bastante a desejar e interferindo numa experiência que podia ser bem mais agradável.

Apesar disso, a narrativa tem um verdadeiro potencial de melhora. Na edição existe um conto extra e ele é absolutamente mais agradável de ler. Ainda continua um tanto simples e básico, sim, porém é convincente. Tem tempero, tem charme, funciona para o propósito do conto extra e se compararmos com o início do volume podemos dizer que funciona muito bem.

Portanto, a experiência de leitura do primeiro volume não é a melhor de todas, mas a série em si tem potencial para melhorar e se tornar algo divertido de se acompanhar, não só pelos acontecimentos, mas também no que diz respeito à própria narrativa.

Edição

Tradução e revisão: heróis ou vilões do texto

Imagem: Capa de 'Me Apaixonei pela Vilã'.

Capa nacional do livro. | Divulgação: NewPOP via Lacradores Desintoxicados.

Se o texto per se de Me Apaixonei pela Vilã possui algumas questões a serem trabalhadas, a edição, infelizmente, possui muitas. Mais uma vez a revisão textual da NewPOP se mostrou controversa contando com erros ortográficos e de concordância mais frequentes do que gostaríamos.

Lembrando que toda e qualquer crítica à NewPOP nesse sentido não é um ataque pessoal nem à competência dos revisores de texto da editora, mas sim uma crítica à empresa. Se os erros são recorrentes é dever da editora proporcionar métodos e meios de trabalho que auxiliem e facilitem o trabalho dos revisores a fim de minimizar os problemas.

Fim do parênteses e voltando a falar da edição, acima já comentamos que a tradução era um pouco esquisita – um pouco amadora – e possuía uma escolha lexical um tanto questionável, mas duas escolhas lexicais acabaram gerando críticas e problemas específicos: a presença das palavras “trap” e “homossexualismo”.

Em ambos os casos, a escolha de palavra não é só ruim, mas causa um desconforto e um problema. O termo homossexualismo aparece num trecho em que três palavras atrás aparecia o termo “homossexual”, usado com bastante tranquilidade na novel, inclusive, então não tem muito uma justificativa para ele estar ali. Já o uso de “trap” aparece num contexto em que, por mais que talvez fosse complicado encontrar um equivalente em língua portuguesa, continuaria não sendo trap uma boa escolha.

E, honestamente, não é uma questão de boicotar a NewPOP ou partir do pressuposto que a equipe é homofóbica, só pega mal você ter um selo Pride e publicar uma obra, cujo público-alvo são justamente pessoas LGBT+, deixando passar essas terminologias (a novel não sai pelo selo Pride, deixando claro). Parece só um erro bobo, e é mesmo, porém é algo que não deveria ter acontecido.

O enredo

Imagem: Ilustração promocional do mangá com os personagens.

Ilustração promocional do mangá. | Divulgação.

Certo, falamos sobre o texto da história, falamos sobre a edição do volume, mas e a história em si? Por mais que a apresentação textual do primeiro volume de Me Apaixonei pela Vilã dificulte a conexão com a história e, consequentemente, a imersão na narrativa, não se pode negar que a Inori tem boas ideias.

Pode ser que não seja um humor que agrade a todo mundo, pode ser que ele não funcione cem por cento das vezes, mas a autora tem boas sacadas. E não só isso, a obra tem alguns pontos bastante interessantes, principalmente quando colocada ao lado de outras narrativas yuri, por mais que a execução inicial não seja das melhores.

Um ponto bastante interessante da história de Inori é que a Rei é abertamente homossexual. Em um dado momento da narrativa, a personagem inclusive fala sobre isso e fala um pouco sobre como pessoas gays no Japão acabam enxergando a si mesmos. Esse trecho da história é um tanto triste por um lado, mas ao mesmo tempo é muito legal como a autora simplesmente coloca na boca de sua personagem um diálogo sobre ser homossexual.

Claro, a Rei tem homofobia internalizada, algo absolutamente verossímil inclusive, porém ela está falando e essa é talvez a única vez que a protagonista fala um pouco mais sobre si mesma sem que sejam informações absolutamente triviais. É um trecho que abre discussão para falar sobre como, por vezes, pessoas LGBT+ percebem a si mesmas. É bastante sensível.

Outra parte interessante da história é quando há um diálogo entre Claire e um dos príncipes de Revolution acerca da dominação dos nobres. Não é nada muito profundo, mas é um diálogo legal de acompanhar, principalmente, porque a Rei não quer se envolver nas questões políticas. Tudo que ela quer é atazanar sua waifu, agora não mais 2D.

Além desses dois pontos, é preciso tirar o chapéu para a Inori, porque ela coloca um plot twist inesperado e controverso. Não é muito bem executado e existem alguns furos nesse arco da história, mas ninguém pode dizer que não é surpreendente. Inclusive, esse é justamente o arco final da história e embora não chegue a deixar um cliffhanger que desperte uma grande vontade de ler o segundo volume, a história que vem depois do último arco funciona perfeitamente para instigar o leitor.

O conto extra do volume é divertido e interessante. Dá algumas derrapadas, mas é melhor escrito, melhor estruturado, cumpre seu propósito e ainda serve para deixar o leitor com vontade de acompanhar o restante da história. Se você terminou o volume e ele não funcionou muito bem com você, leia o conto extra. Talvez ele te pegue e renove sua vontade de acompanhar a narrativa.

Então, o que podemos de fato dizer sobre o primeiro volume de Me Apaixonei pela Vilã? Qual o saldo de todas aquelas mais de trezentas páginas? Bem, essa resposta pode variar, porém, vamos tentar amarrar as coisas.

Talvez o que fique desse primeiro volume é que embora a edição tenha deixado a desejar e o próprio texto da história por vezes mais atrapalhe do que ajude no processo de entrega dos eventos e planos narrativos da história, Me Apaixonei pela Vilã se mostra como uma história que tem potencial para se tornar algo melhor.

O final nos dá indícios de que o enredo da light novel pode vir a crescer e se tornar algo pelo menos divertido de acompanhar e que embora a história de Inori e Hanagata não seja hoje a obra mais apaixonante do gênero yuri, ela pode vir a conquistar nossos corações.


Leia nosso artigo sobre o gênero yuri no Brasil, produzido por LKMazaki do Kono-Ai-Setsu, site especializado em yuri, a convite do JBox. Também temos um artigo sobre Inori e outras autoras japonesas aqui.


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