Sei que isso é meio óbvio, mas esta coluna foi idealizada para falar de tópicos relacionados a localização brasileira de animês  – afinal, imagino que a maioria de vocês sejam brasileiros, e não é como se eu tivesse muito conhecimento sobre a cena de atores de voz do Japão também (desculpem, fãs de seiyuu!).

Dito isso, eu vou compartilhar um segredo triste com vocês: além de fã de dublagem brasileira, eu sou fã de dublagem americana/canadense também. Eu sei, eu sei: “Mas elas são ruins!”, “Eles não sabem pronunciar as coisas!”, sim, sim, já ouvi todas. Mas, ao meu ver, são dublagens como qualquer outra: tem boas, tem ruins, tem estranhas… e, mais importante para esta coluna: tem interessantes.

Umas colunas atrás eu tinha levantado a minha vontade de falar sobre a saga de Dragon Ball durante sua distribuição pelo mundo anglicano, e, como alguns de vocês demonstraram interesse, acho que chegou a hora de dar seguimento àquela vontade. Assim sendo, hora de trilharmos a longa estrada que o animê trilhou pra virar sucesso nos States.

 

Onde tudo começou…

imagem: cena de Dragon Ball com vários eprsonagens reunidos e o logo americano

Vinheta de intervalo de Dragon Ball pela Harmony Gold. | Imagem: Reprodução

A primeira tentativa de levar Dragon Ball aos EUA (de que se tem notícia) foi também a mais desconhecida: em 1989, bem durante a transição entre o clássico Dragon Ball e Z no Japão, a empresa Harmony Gold (responsável por misturar os animês Macross, Southern Cross e Mospeada na salada que conhecemos como Robotech, exibido por aqui pela Globo) dublou os primeiros cinco episódios de Dragon Ball, mais um compilado do primeiro e terceiro filmes da série (mas não o segundo, por algum motivo), para ser testado em mercados seletos, sendo exibido somente em algumas poucas cidades americanas.

Além da esperada censura dos elementos mais questionáveis de Dragon Ball (nudez, por exemplo, mas mantendo muito do humor de cunho sexual, surpreendentemente), essa versão é notável por trocar os nomes de quase todos os personagens: Goku virou “Zero”, Bulma virou “Lena”, Kuririn virou “Bongo”, Yamcha virou “Zedaki” e, o meu favorito, o Mestre Karin virando “Whiskers, o Gato Maravilha” (“Whiskers” sendo um “nome clichê” para gatos na cultura estadunidense, então um equivalente brasileiro poderia ser “Mingau, o Gato Maravilha”).

A música de abertura era uma adaptação inglesa bem… estranha… da abertura japonesa (com versos inteiros trocados por um coro de crianças gritando “yaaaaay”), e os dubladores eram do polo de Los Angeles, o mais usado no país e que a Harmony Gold utilizava para suas demais produções. E, por fim, vale ressaltar que essa versão manteve as músicas de fundo japonesas – uma coisa que não aconteceria de novo nas dublagens americanas conseguintes por muito, muito tempo.

Depois que essa versão caiu por terra, 1995 viu uma segunda tentativa mais confiante: agora produzida por uma parceria entre a (então recém-nascida) Funimation, a Seagull Entertainment e a BLT Productions, essa versão americana de Dragon Ball foi exibida na maioria do país via “syndication” (uma velha prática da TV americana de vender pacotes de certos programas para emissoras locais exibirem como bem quiserem).

Contando com um elenco de dublagem agora de Vancouver, no Canadá (outro polo muitíssimo usado para animações norte-americanas), essa versão, apesar de manter a maioria dos nomes originais dos personagens (ou adaptações compreensíveis), teve uma adaptação bem mais intrusiva que a da Harmony Gold. Agora, como era típico de versões americanas de animês da época, as músicas de fundo foram trocadas por composições originais, assim como a abertura (que na minha opinião ficou bem legal!), e essa versão tinha mais censura do humor sexual do que a da Harmony Gold (apesar de ainda deixar um bocado “vazar”).

Mas essa versão não fez sucesso, e foi cancelada após apenas 13 episódios. E é engraçado imaginar que esse poderia ter sido o fim de Dragon Ball nos EUA; talvez após uns anos tentassem de novo, mas a animação estava ficando mais datada a cada dia, e os gostos das crianças, mudando a cada dia. O que fazer, então? Todos sabiam que a porção mais popular de Dragon Ball, a saga Z, viria, e que tinha tudo para fazer sucesso, mas estava tão longe ainda… se ao menos pudéssemos pular direto para ela…

 

Bola pra frente

É, como já devem imaginar, essa acabou sendo a decisão – a primeira vez que a Toei fez isso com Dragon Ball na distribuição internacional, e que faria de novo com vários países, incluindo o Brasil. Dessa vez a Funimation criou essa versão em parceria com a Saban Entertainment (sabe, aquela dos Power Rangers), mais uma vez para distribuição via syndication, em 1996, e mais uma vez com um elenco de voz canadense. Devido ao nome do estúdio de dublagem (Ocean Productions), essa versão costuma ser referida pelos fãs como a “Ocean dub” (dublagem Ocean), e às vezes também como a “Saban dub” (dublagem Saban).

Assim como a dublagem de Dragon Ball, a trilha sonora foi completamente alterada, incluindo a abertura, que virou um rock pesado chamado Rock the Dragon, até hoje querido entre os fãs que cresceram com ela (eu, particularmente, acho aquilo pura poluição sonora). Como curiosidade, a trilha sonora desta vez foi composta pelo compositor de quase tudo da Saban, Shuki Levy, que, naturalmente, também trabalhou com Power Rangers.

Dragon Ball Z é uma série bem mais violenta que o começo de Dragon Ball, e as emissoras americanas (e os pais americanos) nunca foram muito fãs de veicular séries violentas para crianças. Então, como dá para imaginar, o animê sofreu fortes edições para ocultá-la – muito sangue foi digitalmente apagado, e vários pontos de impacto eram cortados ou obscurecidos com hilários “efeitos de quadrinho americano”, como na imagem abaixo. Não surpreende, claro, que todo o humor sexual foi retirado também.

Imagem: cena de vegeta e Goku lutando, editada com um efeito de quadrinho para cobrir a violência

A curiosa edição “de quadrinho” na luta de Vegeta contra Goku. | Imagem: Reprodução

Diferentemente dos primeiros 13 episódios de Dragon Ball, Dragon Ball Z tem morte. Muita, muita morte. Constante, na sua cara, explícita, e sempre muito importante para o enredo, que constantemente dedica vários minutos a uma matemática de quem ressuscitar, quando e por quê… e isso se mostrou um problema. A TV americana sempre teve uma relação complicada com morte em programas infantis: era um tópico sempre desencorajado, sempre desafiado pelas assessorias das emissoras, sempre gerador de dor de cabeça… e, para se livrar da dor de cabeça, essa dublagem de Dragon Ball Z (apesar de manter o conceito intacto nos primeiros episódios) solucionou a questão… apagando a morte, e trocando-a pelo conceito da “outra dimensão”.

É bem simples: todo mundo que morre na série é, na verdade, “mandado para outra dimensão” (não importa se foi morto por um raio de ki, ou um soco no estômago, ou na explosão de um planeta, ou de velhice – outra dimensão), que é como chamam o Céu e o Inferno que vemos constantemente em Dragon Ball. Aliás, o Inferno foi rebatizado como o “Lar dos Perdedores Infinitos” (Home for Infinite Losers) quando a Funimation viu que teriam que lidar com personagens que usavam camisas estampadas com um enorme “HELL” o tempo todo (apagando partes das letras, virava o acrônimo “HFIL”).

E, ocasionalmente, a morte simplesmente era só ocultada mesmo. O fazendeiro que foi a primeira vítima de Raditz no começo da série ficou só “ferido” após ter sua bala refletida – uma ilusão criada com o dublador gemendo sobre a cena do cadáver dele no chão, que mais tarde seria usada também para dizer que as centenas de cadáveres de Namekuseijins no planeta Namekusei estavam só “machucados”.

imagem: cena de Tenshinhan agonizando por perder o braço

Imagem: Reprodução/Toei Animation

Dito isso, o interessante é que essa versão cortou bastante filler. Não necessariamente episódios filler, mas cenas filler redundantes usadas no decorrer da série só para fazer os episódios cobrirem menos do mangá – como resultado, essa versão cobre 66 episódios japoneses em 53, se livrando de material equivalente a 13 episódios… e tudo isso bem antes de Dragon Ball Kai ter a mesma ideia!

E, por fim, essa versão também tomou ocasionais liberdades bem estranhas com o roteiro. Por exemplo, para suavizar a brutalidade da cena de Tenshinhan (apelidado “Tien” nesta adaptação) tendo seu braço arrancado, foi adicionada uma cena do guerreiro falando que ele “vai crescer de novo” em breve. Em um momento bem aleatório, Vegeta explica para Goku que a técnica de criar luas artificiais foi desenvolvida pelo pai do nosso protagonista, que era um “cientista brilhante”, não um impiedoso guerreiro. Essas liberdades não eram frequentes, mas eram sempre bem estranhas quando aconteciam.

Essa versão foi muito bem de audiência, provando que, de fato, mesmo sem um conhecimento prévio de quem metade do elenco do animê é, a fase Z da trama é cativante o bastante para fazer sucesso sozinha. Mas um problema apareceu: a Saban decidiu desfazer a parceria para se focar na sua empreitada com a Fox, deixando a pequena Funimation sozinha com a licença de Dragon Ball, e sem dinheiro para localizá-la e distribui-la.

 

E a Funimation que se vire

imagem: propaganda de Dragonball Z no Toonami americano

Propaganda impressa da saga Majin Buu no Toonami americano, em 2003. | Reprodução/eBay

A versão Funimation-Saban passou a ser exibida no recém-criado bloco de ação do Cartoon Network, o Toonami, onde fez um sucesso ainda maior. E, vendo esse sucesso crescente, a Funimation resolveu dublar mais episódios… com menos recursos. E é aqui que vemos a separação entre a “dublagem da Ocean” e a “dublagem da Funimation” (mesmo as duas tecnicamente tendo sido da Funimation), que marcaria o resto da vida de Dragon Ball Z nos EUA.

Sem dinheiro para bancar o elenco canadense, a Funimation resolveu dublar o resto da série com dubladores locais do estado em que era sediada, o Texas (esse é o elenco que se ouve em todos os jogos da série, menos um). Bom, acho que o certo seria dizer “atores locais” – a maior parte do elenco não tinha nenhuma experiência prévia com dublagem ou trabalho de voz, e outra parte… não tinha nenhuma experiência com atuação, ponto. E “sem Saban” significa “sem Shuki Levy”, então agora a trilha sonora seria composta, com bem menos instrumentos, por Bruce Faulconer (por que não mantiveram a trilha japonesa, você pergunta? Nem imagino). Isso incluiu um novo instrumental sem graça de abertura (que ganhou uma versão expandida nos lançamentos em home video e streaming para cobrir o espaço equivalente das aberturas japonesas).

A dublagem canadense sempre teve seus críticos – apesar do elenco todo ser bem experiente e profissional, alguns consideravam certas vozes mal escaladas, caricatas demais ou mal dirigidas… mas o elenco amador da Funimation era indiscutivelmente pior em todos os aspectos. Simplesmente dava para sentir a falta de experiência e confiança em cada fala, resultando numa dublagem que parecia pouco profissional, o que era piorado pelo fato de que o elenco tinha sido instruído a imitar as vozes da dublagem canadense, limitando a criação de personagem. E para completar, o elenco era bem limitado e vários personagens dividiam um só dublador – só para ter uma ideia, Vegeta, Piccolo, Yamcha, o Patriarca e três dos cinco Ginyus tinham a mesma voz!

Mas essa versão tinha um pró bem legal: bem menos censura. Aos poucos o elemento da “outra dimensão” foi esquecido (tendo sido mantido inicialmente só para manter consistência com o que veio antes) e a morte voltou. Sangue também deixou de ser sempre apagado (geralmente só apagado em casos extremos, como quando alguém vomitava ele), as “estrelas de impacto” foram sumindo… isso restaurou muito do que faz Dragon Ball Z ser Dragon Ball Z. E a melhor parte – a Funimation também passou a lançar DVDs bilingues “sem cortes” do animê, assim agradando gregos e troianos (apesar do áudio inglês do DVD ainda ter a trilha sonora alterada). 

A adaptação também passou a tomar menos liberdades, apesar de ainda inventar coisas ocasionalmente – a mais infame sendo Vegeta dizendo para Goku que Freeza foi o culpado por fazer o príncipe dos Saiyajins ficar “mau”. Essas liberdades se mantiveram nos DVDs sem cortes, diga-se de passagem.

E mesmo com a dublagem sofrida, essa versão foi um estrondoso sucesso e cobriu todo o resto da série. Ajuda que o elenco melhorou bastante com o tempo também; os atores dos personagens ao fim da saga Buu estavam anos-luz à frente de como começaram. Tanto, aliás, que em lançamentos conseguintes em home vídeo, o elenco regravou algumas de suas falas iniciais para manter a qualidade mais consistente. E, como bônus, esses DVDs também passaram a disponibilizar a dublagem americana com a trilha sonora japonesa!

 

A “outra” dublagem canadense

imagem: ilustração de Dragon Ball Z com Gohan, Goku e Cell

Imagem: Divulgação/BIRD STUDIO/Toei Animation

Essa história tem uma intermissão muitíssimo curiosa: após a “dublagem da Funimation” começar a ser produzida, uma dublagem paralela foi comissionada para distribuição em certos mercados… no Canadá. Basicamente, a distribuidora AB Groupe, responsável pela distribuição de Dragon Ball na Europa, encomendou uma outra versão em inglês dos episódios “começo de Cell até o fim da série” (note que a dublagem da Funimation começou no fim de Freeza), no mesmo polo da dublagem inicial de Z. Resumindo: começou no Canadá, aí foi para o Texas… e aí voltaram para o Canadá para fazer uma dublagem “rival” da do Texas.

Como dá para imaginar, essa dublagem traz de volta boa parte daquele elenco inicial, ao mesmo tempo que troca outros. Assim como a Funimation, eles não tinham acesso à trilha sonora de Shuki Levy, e, em vez de manter a trilha japonesa (seria tão fácil!), optaram por usar toda e qualquer música que eles tinham disponíveis no estúdio de produções passadas. Como resultado, essa dublagem é muito engraçada, porque qualquer cena de luta pode repentinamente começar a tocar notas da abertura do desenho de Mega Man da Ruby-Spears (sabe, aquele do “Ele é puro aço… Mega Man!”).

Como a dublagem parece ter sido feita com mais pressa, a qualidade de produção não se equipara à dublagem da era Funimation-Saban, mas ainda era melhor que a texana em seus primeiros dias. E ela não se desfaz totalmente de seus laços com a Funimation, porque os scripts dos episódios eram exatamente iguais aos usados pela Funimation; inclusive acredita-se que a dublagem canadense era feita em cima da dublagem texana, uma inversão completa de como tudo começou! O mundo dá voltas, cara.

 

De volta ao Gokuzinho

E com o sucesso estrondoso de Dragon Ball Z, claro que a Funimation voltou para o Dragon Ball clássico (sabe, que nem a gente fez aqui!). Simultaneamente com a exibição da saga Cell de Z, o Dragon Ball clássico foi dublado e exibido por lá. As típicas edições de sempre, claro, mas, mais uma vez, menos do que se esperaria, e, dessa vez, a trilha sonora japonesa foi mantida intacta! A abertura inclusive era uma versão em inglês da clássica abertura japonesa Makafushigi Adventure, só que com instrumentais refeitos (e bem ruins). O espírito estava no lugar certo… pena que mal dava para entender o que o cantor dizia!

E Dragon Ball recebeu o mesmo tratamento que Z fora dos EUA, recebendo uma dublagem alternativa produzida no Canadá para outros mercados… só que não em Vancouver dessa vez. Para economizar gastos, essa dublagem foi mandada para o “estúdio budget” secundário da Ocean Productions em Calgary, e a queda na qualidade foi fortemente sentida: atuações mais amadoras, direção menos meticulosa… uma inversão completa do que ocorria anteriormente! Mas com uma vantagem: essa versão foi adaptada em cima do original, sem usar os scripts da Funimation, resultando em uma tradução mais fiel (já que a Funimation continuou tomando liberdades com os scripts de Dragon Ball).

 

Bem-vindos à “Grand Tour”

E, claro, após o fim de Z, nada faz mais sentido que localizar Dragon Ball GT em seguida. Infelizmente, a Funimation voltou atrás no quesito trilha sonora para essa série – além de trocar todas as músicas de fundo mais uma vez, a abertura foi trocada por uma composição original bem infame entre os fãs, apelidadas de “rap GT”. E… sinto que o nome diz tudo que você precisa saber sobre ela. Felizmente a abertura japonesa ganhou uma versão em inglês (muito boa, por sinal) para futuros lançamentos em home vídeo.

A Funimation tomou uma decisão bem interessante durante o lançamento de GT: pular o começo da série. Na TV americana, a temporada começou com um especial de recapitulação resumindo a primeira fase da história (Goku virando criança de novo, a viagem pelo espaço em busca das Esferas) e então seguindo a partir do começo da “saga do Baby”, uma clara estratégia para continuar a focar no lado da ação de Dragon Ball, como terminou Dragon Ball Z.

E, após terminar a exibição de GT, esses episódios pulados foram então exibidos como os “Episódios Perdidos” – em suma, pularam esses episódios com menos ação para não perder o ritmo a que os fãs estavam acostumados… e os “embalaram” com uma fachada de raridade e mistério para intrigar esses fãs. E, francamente? É uma estratégia meio genial, na minha opinião. Provavelmente meio confusa para as crianças da época, mas ainda assim, muito ardiloso.

E, sim, assim como Dragon Ball e Dragon Ball Z antes dele, GT também teve uma dublagem canadense para distribuição em outros mercados, também feita no estúdio inferior de Calgary e, portanto, contando com qualidade mais baixa. Mas, por outro lado, essa versão tem uma adaptação mais próxima da japonesa, trilha sonora original mantida e uma versão em inglês da abertura japonesa… mais ou menos. É extremamente modificada e encurtada, mas a base foi a mesma, pelo menos. E, até onde eu sei, foi uma exibição normal, sem pular os primeiros episódios.

 

Em anexo: os filmes

imagem: capa do DVD Dragon Ball Z: The Movie

Capa do DVD ‘Dragon Ball Z: The Movie’ pela Pioneer. | Imagem: Reprodução

Eu não falei dos filmes, mas eles também foram localizados no ínterim disso tudo. Os primeiros, localizados ainda na época Funimation-Saban, na verdade ganharam lançamentos muito caprichados em home video pela empresa Pioneer, sem cortes, trilha japonesa mantida e texto fielmente adaptado, usando o mesmo elenco canadense que começou tudo.

A partir de um certo ponto eles foram para a Funimation, que foi um pouco mais… criativa na localização deles. Foi o mesmo padrão da série de TV – os filmes eram lançados sem cortes em home vídeo, mas a versão dublada tinha substituição musical e os scripts tomavam várias liberdades. Mas o mais louco é que eles usavam músicas licenciadas na trilha sonora: bandas de rock e heavy metal famosas da época, como Pantera, Dream Theater e Disturbed acompanhavam as lutas do filme, quase como se copiassem a cultura de AMVs que se popularizava entre os fãs na época. Muito doido, e muito anos 2000.

Enquanto isso, para distribuição pela Europa, esses filmes ganharam dublagens alternativas… feitas na França, que tem um polo relativamente ativo de dubladores falantes do inglês. Essas dublagens são incessantemente caçoadas pelos fãs de Dragon Ball por seus elencos minúsculos, direção estranha e escolha bizarra de vozes, mas, como sempre, pelo menos são fielmente traduzidas e não mexem com a trilha sonora. São popularmente conhecidas como a “dublagem Big Green”, porque é assim que chamam o Piccolo nelas: “Big Green”.

 

Uma quase redenção em Kai

imagem: ilustração de Dragon Ball Z com Goku e Freeza

Imagem: Divulgação/BIRD STUDIO/Toei Animation

E Dragon Ball GT seria o fim da “era clássica” de Dragon Ball na TV americana… mas a Funimation ainda tinha uma última carta para jogar. Após o término de GT, eles passaram a exibir, nas noites do Cartoon Network, “Dragon Ball Z Uncut”. Como o nome sugere, é Dragon Ball Z, só que sem cortes desta vez; especificamente os episódios originalmente editados pela parceria Funimation-Saban, agora redublados com o elenco texano da Funimation (dublagem essa que também foi lançada em home vídeo, agora tendo a série inteira com um só elenco). “Sem cortes” vem com aspas, claro; sim, toda a violência está lá, mas a trilha sonora segue trocada, e o script, bem alterado (é o mesmo texto que a primeira dublagem usava, só com os trechos cortados adicionados e alguns dos elementos mais absurdos corrigidos, como a história do Bardock ser um cientista).

Depois disso a série ficou fora do ar por alguns anos, voltando em 2010 com a versão americana de Dragon Ball Kai (rebatizada Dragon Ball Z Kai). E é interessante – é fácil ver Dragon Ball Kai como não tendo muito valor hoje em dia, especialmente após as acusações de plágio do compositor Kenji Yamamoto, que fez com que toda a trilha sonora fosse trocada pelas trilhas clássicas de Shunsuke Kikuchi de Dragon Ball Z… mas, nos EUA, ela teve um grande valor: finalmente era uma dublagem boa de Dragon Ball Z!

Após todo esse tempo, anos de trabalho afiaram muito o elenco da Funimation, e, agora, eles estavam todos absurdamente confortáveis com seus personagens. Kai inclusive corrigiu alguns dos elementos mais fracos dele (como dar um dublador masculino para o Freeza, que era até então dublado por Linda Young com uma voz extremamente rasgada). E o mais importante: agora a adaptação era bem fiel ao original, tomando bem menos liberdades, no máximo se limitando a pequenos reconhecimentos de piadinhas famosas entre os fãs (que eram controladas aqui, mas que mais tarde começariam a sair do controle. Como aconteceu com Super por aqui!), e mantendo a trilha sonora original (pré e pós-substituição).

Essa dublagem foi exibida na TV pelo canal Nicktoons (um canal derivado da Nickelodeon), que fez várias edições de conteúdo, bem mais radicais do que o Cartoon Network fazia nos anos 2000 (afinal, eram novos tempos) – acompanhada por um lançamento sem cortes em home video, claro. Por curiosidade, foi essa versão de TV que veio para nós (e para todo o resto da América Latina), provavelmente por ser mais fácil de exibir na TV sem levantar queixas. Uma pena.

Enquanto isso, fora dos EUA, eles exibiram essa mesma dublagem, quebrando a tradição das “dublagens duplas em inglês” de Dragon Ball… mais ou menos. Basicamente, há vários relatos de que uma dublagem canadense de Kai foi produzida, com alguns nomes do elenco inclusive tendo sido vazados, mas ela nunca foi exibida em lugar algum, e sua existência segue duvidosa até hoje.

 

Super e as últimas dublagens “rivais”

imagem: ilustração com personagens de Dragon Ball Super voando pelo céu azul

Imagem: Divulgação/BIRD STUDIO/Toei

Mas logo voltaríamos às dublagens duplas com o último capítulo desta enorme novela: Dragon Ball Super. Claro que não demorou para Super ser dublado em inglês, seguindo o padrão Kai de ser uma dublagem fiel e de boa qualidade no todo. Mas, para a surpresa de todos, quando Kai começou a ser exibido pelo Animax Asia (que, como o nome indica, é o canal Animax, da Sony, que circula por lugares como a Singapura e Hong Kong, que têm inglês como segunda língua)… ele contou com uma nova dublagem! A tradição se manteve.

Essa, no caso, foi produzida em Los Angeles, o mesmo estado que fez aquela primeira dublagem de Dragon Ball da Harmony Gold, fechando um ciclo completo nesta nossa aventura (a dubladora da Bulma inclusive foi a mesma!). E não era uma dublagem ruim, contando com vários nomes famosos da dublagem estadunidense fazendo um trabalho bem respeitável. Só que esse “renascimento” das dublagens rivais não durou; essa versão foi cancelada após 26 episódios, mantendo a dublagem da Funimation como a dublagem americana da série.

 

E é aí que estamos hoje: foram muitas voltas, muito toma lá, dá cá, muitos cancelamentos e “descancelamentos”, mas, enfim, a instituição “Dragon Ball em inglês” está firmada: no Texas, com a Funimation, até segunda ordem. E, mesmo com todas essas pedras no caminho, Dragon Ball foi um enorme sucesso por lá e encantou gerações de crianças, e moveu um monte de produtos; como eu disse antes, essa é a maior prova do quão carismático Dragon Ball é, conseguindo cativar o público não importa o quanto dublagens ruins, cortes de conteúdo e músicas bregas tentem enterrar seu espírito. E eu acho isso meio lindo.

Dito isso, ainda tiveram coisas que eu não cobri aqui! Como as dublagens em inglês dos filmes feitas na Malásia, ou as trocas estranhas de alguns nomes, ou o estranho elenco do jogo Dragon Ball GT: Final Bout… dá para fazer um livro com isso, é muita coisa.

Desta vez não tenho muitas perguntas divertidas para fechar esta matéria. Vocês ouviram o elenco texano de Dragon Ball em alguns dos jogos? O que acharam? Acham que escrever quase 4.000 palavras sobre dublagem americana é uma perda de tempo? Bom, digam aí e a gente se vê!

 

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