Uma das primeiras coisas que se aprende no ramo da tradução é que existem diversos estilos de tradução, e que todos são válidos. Tradução direta, tradução livre, conversão cultural… dependendo do público-alvo e da cultura do país em questão, certas escolhas são mais adequadas que outras; por mais que muitos de nós gostem de imaginar isso, não existe uma única “forma certa de traduzir”. Especialmente quando o produto em questão é para criancinhas.

Com isso em mente, acho que era de se esperar que quando o megahit do final dos anos 90, Pokémon, fosse localizado para o ocidente, os nomes dos monstrinhos fossem ser adaptados.

Imagem: Charmander.

Divulgação: Pokémon Company.

Trocadilhos, referências culturais, piadas com provérbios – cada Pokémon tem um nome com significado, e mantê-los em japonês poderia não ser a melhor saída, já que um “Charmander” diz muito mais para uma criança americana do que um “Hitokage”.

Claro que há controvérsias quanto a isso – afinal, Pokémon é muito popular no mundo inteiro, e muitos países simplesmente usaram os nomes americanos que não significam basicamente nada para crianças nativas, tal qual é o caso do nosso Brasil, mas eu apostaria que a franquia não seria tão forte deste lado do Pacífico se deixasse tudo em japonês.

Mas aí eu penso: “e a gente?”. Como eu falei, nós usamos os nomes americanos dos monstros de bolso, que não significam muito para as nossas crianças logo de cara (mas que dão boa munição de conteúdo para sites de curiosidades sobre a franquia).

É difícil imaginar um mundo sem “Greninja” ou “Scyther”, mas… vamos fazer isso? Vamos imaginar como seria um mundo em que os nomes dos Pokémons fossem localizados para o nosso idioma? Bora, vai ser um exercício legal.


Antes de começarmos, eu preciso reconhecer que nas primeiras temporadas do animê, quando a adaptação de Pokémon era uma terra sem lei, a nossa dublagem tecnicamente fez isso – ela localizou alguns dos nomes deles.

O mais duradouro provavelmente foi o Bulbasaur, que virou Bulbassauro (e suas evoluções seguindo o molde), mas também tivemos o Magikarp virando Magicarpa, o Pidgey virando Pombo por um episódio, e o Delibird que, por algum motivo, virou Thunderbird por um tempo.

Ignorando esse último, essas localizações são perfeitas, porque soam ótimas para os nossos ouvidos e expressam o mesmo trocadilho da versão americana (bem, acho que eu adaptaria o “Pombo” para algo menos “na lata”, tipo “Pombi”, mas… enfim).

Imagem: Pikachu sentado de costas, virando a cara para trás.

Divulgação: Pokémon Company.

E já que é um exercício imaginário, vamos fazer o inimaginável: e se o Pikachu não fosse “Pikachu”?

Digo, seria blasfêmia privar o mundo da adorável voz da grande Ikue Ohtani, mas vamos fingir que o cliente tenha exigido isso: o que faríamos?

Bom, para começar, vamos analisar o nome. “Pika” é uma onomatopeia para eletricidade fraca, faíscas, enquanto que “chu” é a onomatopeia dos sons que os ratos fazem.

Se convertêssemos literalmente, sairia algo tipo… “Tzzti”. Hm. Não é muito marketável – é estranho de escrever e falar –, então vamos viajar mais além.

E se pegássemos, digamos, “faísca” e “rato” e mesclássemos? O resultado: “Faíto”. OK, menos mal, mas acho que ainda podemos melhorar. O nome japonês tem uma sonoridade muito fofa, e seria bom preservar isso na localização.

Dos nomes relacionados a rato, acho seguro dizer que a onomatopeia “ti” (ou “qui”, ou “hi”… olha, depende da região) é o mais fofo, então se pegarmos ele e usarmos como sufixo de palavras relacionadas a eletricidade… “Raiti”, “Zapti”, “Troti”, “Choqti”… agora sim! Esses são nomes fofos de mascote.

Imagem: O Wobbuffet.

Divulgação: Pokémon Company.

Tá, agora vamos pular uma geração e usar um Pokémon com múltiplos nomes para nos inspirar. Que tal trabalharmos no outro mascote da Equipe Rocket, o Wobbuffet?

O nome americano dele é uma mistura de “wobble” (balançar) com “buffet” (não, não o jantar chique; significa “bofetada”), referenciando o fato dele se parecer com um joão-bobo, ou um saco de pancadas de ponta-cabeça.

Então, faríamos com base nisso, né? Bom, aqueles que conhecem o nome japonês da criatura devem estar gritando “não!”, e com muita razão. Em japonês ele se chama “Sonans”, ou “sounansu”, que basicamente significa “é isso mesmo”.

É uma referência a um comediante japonês que tem esse como seu bordão, e é um nome importante porque a) ele o fala no final do lema da Equipe Rocket, servindo como uma segunda versão do “Meowth, é isso aí”, e b) A pré-evolução dele, o Wynaut (“Sohnano” em japonês) tem um nome que complementa esse.

Os nomes do Pokémon nas poucas línguas não-inglês que localizam os nomes dos monstros, como francês e alemão, também seguem o estilo japonês; ou seja, todos concordam que “Wobbuffet” foi uma péssima escolha por parte dos falantes do inglês.

Então, não vamos fazer péssimas escolhas e, ao invés disso, vamos adaptar o japonês! Esse não é muito difícil, é só pegar uma frase tipo “pois é” ou “pode crer” e “desaportuguesá-la”, criando algo tipo “Poezé” ou “Podcrê”. Moleza.

OK, próxima geração… ah, eu sempre achei o Torchic um fofo, então vamos com ele. Esse é bem óbvio – o nome vem de “torch” (tocha) e “chick” (pintinho). O nome japonês, “Achamo”, é parecido: o “acha” vem de “akachan” (bebê) e o “amo” vem de “shamo”, que é um tipo de galinha.

Imagem: Torchic.

Divulgação: Pokémon Company.

Acho que o padrão americano é mais interessante, por incluir os poderes ardentes do monstro, então vamos com ele. Literalmente em português, teríamos… “Torchinto”. Hm. Não gostei, vamos viajar: assim como o Pikachu, esse é nome que tem que ser fofo, então vamos buscar uma palavra relacionada a fogo mais fofinha do que “tocha”.

Tipo… “brasa”, talvez? Ou “chama”. E ao invés de “pinto”, que, convenhamos, seria mais engraçado do que fofo, vamos usar outra palavra relacionada, tipo “ave”, ou “frango”. O resultado seria algo tipo “Chango”! “Chango” é fofo. Digo, talvez “frango” combinasse mais com uma das evoluções do Torchic, mas agora já era.

E quando o Pokémon em questão é uma referência a uma figura da vida real? O caso mais famoso disso são Hitmonchan e Hitmonlee, cujos sufixos provém dos artistas marciais Jackie Chan e Bruce Lee (o “hit” significa “bater”, e o “mon”, tal como em “Pokémon”, vem de “monstro”).

No Japão eles são conhecidos como “Ebiwalar” e “Sawamular”, referenciando o boxeador Hiroyuki Ebihara e o kickboxeador Tadashi Sawamura, respectivamente. Assim sendo, vamos escolher artistas marciais brasileiros para botar no lugar! Acho que eu escolheria o Popó para o Hitmonchan e o Anderson Silva para o Hitmonlee.

Ignoraria o “Hitmon” dos americanos e faria como os japoneses, só distorcendo um pouco os nomes: talvez “Poppoh” e “Ansilvah”, sabe? Claro, isso se essa localização fosse feita neste ano de 2021; se a decisão precisasse ser feita em 1998, não rolaria o Anderson!

Como eu já disse em outra coluna, o tempo também afeta as decisões de localização. Em adição a isso, também correria o risco de rolar um processo! Esse foi o caso do Pokémon Kadabra, cujo nome japonês, “Yungeler”, é uma referência ao (suposto) paranormal Uri Geller, que processou a Nintendo por causa disso, o que afetou as aparições do Pokémon em várias mídias [nota da editora: mas aparentemente se arrependeu depois de 20 anos].

Imagem: Farfetch'd

Divulgação: Pokémon Company.

Falando em complicações, o Farfetch’d é outro caso interessante: em inglês o nome dele é só uma corrupção de “far-fetched” (forçado, improvável, suspeito, etc.), mas em japonês, o nome, “Kamonegi”, é a abreviação de um provérbio japonês que traduz mais ou menos para “lá vem um pato com cebolinha” – ou em outras palavras, “algo inesperado, mas conveniente”.

Se fôssemos seguir a deixa dos japoneses, qual ditado ou provérbio usaríamos? Acho que com o sentido próximo, só consigo pensar em “caiu na rede, é peixe”, e uma abreviação disso seria… “Cairreixe”? Mas fica estranho usar “peixe” com um Pokémon que é um pato, então talvez “Cairrepato”?

Claro que também há muitos nomes que não precisariam ser mudados – os próprios americanos não tocaram em alguns deles. “Gengar”, “Mew”, “Manaphy”, “Lucario”, “Paras”, dentre outros, são nomes cujas inspirações funcionam em japonês tanto quanto nas outras línguas (bem, talvez fosse preciso dar uma abrasileirada neles, como trocar “Mew” por “Miu”, mas isso são detalhes).

E certos nomes americanos funcionam perfeitamente para nós – como por exemplo “Golem”, “Carvanha”, e os pássaros lendários “Moltres”, “Zapdos” e “Articuno”. É o que chamamos de “sorte na localização”, quando o processo de criação do nome “original” é perfeitamente compreensível para a cultura de chegada.

Ufa! Brinquei tanto que cansei. Imagino que o serviço de localização oficial de nomes para esse tipo de projeto seja assim mesmo – cansativo, mas muito divertido. E claro, temos (no momento!) 898 monstros de bolso para brincar, então quero ouvir vocês: como vocês adaptariam os nomes dos seus Pokémons favoritos?

Vocês adaptariam os normalmente nunca adaptados lendários, como “Entei”, “Arceus” e “Deoxys”? Soltem o localizador interior de vocês nos comentários e até a próxima!


Nota da Editoria: Nos aniversário de 20 anos da série no Brasil, o JBox soltou uma série especial de vídeos comemorativos, que podem ser assistidos a seguir:


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