2021 é o ano em que celebramos os 25 anos de Ultraman Tiga, que passou aqui no Brasil na década de 2000. Logo mais em julho teremos a série Ultraman Trigger: New Generation Tiga, homenageando o guerreiro da luz e dando continuidade ao seu universo com novos personagens e até uma nova encarnação da equipe anti-monstros GUTS.

Nesta terça (25), Dia do Orgulho Nerd, tivemos o anúncio do mangá de Kamen Rider Kuuga no Brasil pela Editora JBC, numa parceria com o canal TokuDoc, do meu amigo Danilo Modolo.

Embora tenham estilos diferentes, estes heróis possuem algo em comum: eles marcaram o início da era Heisei em suas respectivas franquias. Há dois anos tivemos o fim do período imperial mencionado e o início da vigente era Reiwa. A mudança foi significativa, porém não sentimos grandes mudanças ainda no estilo de produção de tokusatsu. Ou seja, o curso é natural/gradual.

Na época de Tiga e Kuuga, o contexto era outro. A franquia Ultraman passou por um jejum de 15 anos da TV japonesa. Desde o final de Ultraman 80 (Eighty), em 25 de março de 1981, a Família Ultra teve uma sobrevida com alguns filmes, spin-offs e séries estrangeiras. A Tsuburaya precisava engajar o aniversário de 30 anos.

Imagem: Pôster de 'Revive Ulttraman' e 'Ultraman Zearth'.

Pôster oficial dos filmes Revive! Ultraman e Ultraman Zearth | Foto: Divulgação/Tsuburaya

Foi daí que em 9 de março de 1996, os japoneses tiveram as estreias dos filmes Revive! Ultraman e Ultraman Zearth. O primeiro era uma produção que reaproveitou cenas da série clássica de 1966 com cenas conteúdo recém-filmado até então. Já o segundo era uma paródia constrangedora (talvez a única coisa inútil da franquia) que teve a participação de alguns atores do Ultraman original.

Mesmo assim, isso ainda não era suficiente. Fazia falta uma série para TV. Eis que em 7 de setembro de 1996 estreava Ultraman Tiga, adotando novos conceitos e narrativas. Teoricamente, Ultraman Great e Ultraman Powered – os heróis das respectivas séries nipo-australiana Ultraman: Towards the Future (1990) e nipo-americana Ultraman: The Ultimate Hero (1993) – deveriam ser contados como os dois primeiros Ultras da era Heisei, considerando que aquele período imperial teve início em 8 de janeiro de 1989. Ultraman Neos, Ultraseven 21 (Two One) e Ultraman Zearth também deveriam ser contados como heróis da era Heisei.

Isso não aconteceu por conveniência da própria Tsuburaya, levando em conta os novos elementos adotados em Ultraman Tiga e também o sucesso que foi responsável pela criação de Ultraman Dyna e Ultraman Gaia. O conceito do gigante de luz foi uma inovação para a época, algo que não ocorreu com Great (que sequer foi um grande sucesso).

Com Kamen Rider aconteceu algo parecido. Kamen Rider Black RX, clássico exibido pela extinta Rede Manchete entre 1995 e 1997, estreou na terra do sol nascente em 23 de outubro de 1989 e teve seus 10 primeiros episódios exibidos ainda na era Showa. Com a morte do Imperador Hirohito em 7 de janeiro de 1989, o episódio 11 que estava programado para o dia seguinte foi adiado em uma semana por causa da cobertura desse fato histórico, além do início da era Heisei.

Imagem: Keizo Obuchi.

Keizo Obuchi, então secretário-geral do Gabinete, anunciando o nome da era Heisei em 7 de janeiro de 1989 | Foto: Divulgação

Vale lembrar que várias séries de tokusatsu, como Jiraiya e Cybercop, e de animê, como Os Cavaleiros do Zodíaco, também sofreram delay de uma semana, justamente por serem exibidos nos finais de semana no Japão. O resto de Black RX foi exibido nos primeiros meses da era Heisei, mas isso não tira o posta de série da era Showa, uma vez que sua estreia ainda foi naquele período.

Em tempo, tivemos os filmes Shin Kamen Rider: Prologue (1992)Kamen Rider ZO (1993) e Kamen Rider J (1994). Seus respectivos estilos ainda tinham o genuíno DNA do mangaká Shotaro Ishinomori, e por isso são contados como os últimos três Riders da era Showa (mesmo com a era Heisei em vigência).

Aliás, em meados da década de 90, Ishinomori criou um esboço de um novo Kamen Rider, com origem ancestral e que despertaria nos tempos modernos para enfrentar o mal. Porém o mestre nos deixou em 28 de janeiro de 1998. Ah, por ironia do destino, ele não acreditava que o homem chegaria ao ano 2000, mas acabou morrendo dois anos antes. E foi justamente em 2000 que um novo herói, uma nova lenda chegaria para marcar época no gênero tokusatsu.

Imagem: O Kamen Rider de 'Kuuga'.

Kamen Rider Kuuga, a segunda obra póstuma do mestre Shotaro Ishinomori | Foto: Toei/Ishimori Pro

Kamen Rider Kuuga foi inovador por se afastar daquela atmosfera clássica da franquia, mesmo mantendo seus conceitos. A trama carregada de violência, drama e terror (exibida atipicamente nas manhãs de domingo, vejam vocês) também foi um divisor de águas.

Até então, não havia intenção alguma por parte da Toei para uma volta definitiva de Kamen Rider. A produção de Kuuga só aconteceu por causa do sucesso de Moero! Robocon (1999~2000), a primeira obra póstuma de Ishinomori, baseada no clássico Ganbare!! Robocon (1974~77). A ideia inicial era criar uma releitura de algum outro herói clássico de Ishinomori como Kikaider ou Inazuman. Só que havia uma detalhe: Kamen Rider completaria 30 anos em 2001 e daí veio a necessidade da Toei criar uma nova série – Kamen Rider Agito.

Agito é praticamente uma continuação de Kuuga e foi um grande sucesso, sendo o Heisei Rider de maior audiência, com média de 11.7%. Curiosamente, a trama e até os próprios atores atraíam a atenção das donas de casa. O sucesso impulsionava também a audiência de Hyakujuu Sentai Gaoranger, série comemorativa de 25 anos de Super Sentai (e que deu origem ao Power Ranger Força Animal) exibida antes do horário de Agito.

O produtor Shinichiro Shirakura não esperava por tamanha repercussão. E o mais curioso era que ele ficava apostando com o roteirista Toshiki Inoue para saber se a audiência iria subir ou cair a cada episódio. Com isso, Agito firmou a volta de Kamen Rider para a TV japonesa, além de iniciar oficialmente a era Heisei para a marca. Logo veio Kamen Rider Ryuki em 2002, que foi baseado em Cross Fire, uma versão preliminar do primeiro Kamen Rider. O resto é história.

Se Tiga e Kuuga foram importantes para iniciar uma então nova geração para as franquias Ultraman e Kamen Rider, respectivamente, essas séries também tiveram algo muito em comum no Brasil: potenciais chances de sucesso desperdiçadas.

Imagem: O Ultraman Tiga.

Com mais audiência que Pokémon, Ultraman Tiga desapareceu misteriosamente da grade da Record | Foto: Divulgação/Tsuburaya

Ultraman Tiga estreou por aqui em 28 de fevereiro de 2000 pela Record, como atração do – esquecível – programa infantil Eliana & Alegria. O herói-título rendia uma média de 8 pontos para a emissora do bispo, até ultrapassando a audiência da segunda temporada de Pokémon – que à época era o carro-chefe da programa infantil da Record.

Veja: o herói (ainda) não tinha a mesma popularidade que Ash, Pikachu e cia, mas tinha audiência satisfatória para abrir um filão com Ultraman Dyna no segundo semestre de 2000, Ultraman Gaia em 2001 na Record, e até o filme Ultraman Tiga – A Odisseia Final para os cinemas brasileiros em julho de 2000 (quatro meses após a estreia no Japão).

Pois bem. Quem aguardou o dia 4 de maio de 2000 para assistir o episódio 49 de Tiga, ficou chupando dedo ao ver Eliana e Chiquinho contando piadas pra lá de sem graça pra criançada e nada do nosso herói brilhar na faixa (nada pontual) das 10h30 da matina. Aquela quinta-feira seria marcada com a aparição do primeiro Ultraman numa homenagem feita para o saudoso Eiji Tsuburaya, criador da série original. Ah, os anúncios da reestreia de Donkey Kong no mesmo dia e no seguinte foram um banho de água fria.

Marcelo Del Greco, que trabalha atualmente como supervisor de conteúdo da Editora JBC, esteve envolvido nos bastidores do licenciamento de Ultraman Tiga e tinha planos para trazer DynaGaia, além de um pacote com a volta dos clássicos Ultra SevenO Regresso de Ultraman e o inédito Ultraman Ace. Del Greco explicou que a culpa não era de Eliana, como se pensava, e sim de um desacordo entre a distribuidora Mundial Filmes e a Record (ele explicou nesta entrevista para o canal TokuDoc em maio de 2019).

Em entrevista para o site JBox em 2009, Del Greco conta sobre o seu planejamento para trazer Dyna pra cá:

Imagem: Marcelo del Greco.

Marcelo Del Greco esteve nos bastidores do licenciamento de Ultraman Tiga | Foto: Divulgação/Editora JBC

Sim, com a audiência que o Tiga estava tendo, havia o plano de lançar o longa nos cinemas em julho daquele ano (2000). Ao mesmo tempo, a Record encomendou o Dyna que, aí sim, eu já teria direitos de TV, vídeo e de licenciamento em parceria com a Mundial. Não chegamos a fazer testes de dublagem – na verdade, eu já havia decidido quais seriam as vozes para cada personagem. Conversei com alguns dubladores do Rio que eu conhecia para saber se eles topariam o trabalho, mas o lançamento acabou não ocorrendo. (…)

Em relação à série do Dyna, ela também seria dublada na Audio News mas, coincidentemente, as masters dela chegaram do Japão no dia que o Tiga saiu do ar. Uma pena, porque o projeto original era trazer todas as séries Ultra, novas e antigas. Minha ideia era fazer uma sessão dupla: um episódio de uma série clássica e outro de uma nova (tinha até o Gaia na época) ou intercalar as séries com direito a reprise na madrugada. Eu queria trabalhar a licença do Universo Ultra e não apenas de uma Ultrasérie. O projeto teria sido perfeito, ainda mais depois que Ultraman Mebius foi lançado e amarrou o universo. Mas fazer o quê?! Não era pra ser… =(.

E vamos combinar que a atmosfera dramática e sombria de Tiga não combinava em absolutamente nada com um programa tosco que tinha um palhaço chato (“Dona Eliana!”). Falta de espaço não tinha para Tiga na programação da Record. Basta ver, por exemplo, a programação infantil do início da tarde do dia em que a série saiu do ar (veja aqui).

Falando em programação vespertina, o nosso guerreiro da luz teve duas reprises nesse horário em meados de 2001 e em meados de 2002 – ambas sem os episódios finais e apresentadas meramente como tapa-buraco. Só quem morava em cidades com o sinal da Rede 21, entre 9 de maio e 7 de julho de 2005, podia conferir a exibição de Tiga no início do horário nobre, de segunda a sábado (infelizmente não foi o meu caso, que só acompanhava as notícias dessa exibição).

Ao menos os últimos quatro episódios foram exibidos, porém não houve reprise. No lugar, mais uma infindável reprise do animê Tenchi Muyo!. A sobrevida de Tiga foi o lançamento dos filmes A Odisseia Final pela Impact Records e Superior Ultraman 8 Brothers pela Focus Filmes, no mercado home-video e com a volta do elenco original de dublagem.

Imagem: Revista 'Anime Kids'.

Página da revista Anime Kids (Ed. Escala) sobre as situações de Kamen Rider Kuuga, Ultraman Tiga e Ultraman Dyna no Brasil, em setembro de 2002 | Reprodução/JBox TV

Quanto ao Kamen Rider Kuuga, foi uma aposta do sr. Luiz Angelotti, proprietário da distribuidora Imagine Action Dá Licença. Segundo informações publicadas na revista Anime Kids (de setembro de 2002), as emissoras cogitadas para a exibição do Rider vermelho seriam a Globo e o saudoso canal pago infantil Fox Kids. Inclusive, Angellotti, que atualmente é o agente licenciador da Toei, já explicou em entrevista para o canal JBox TV sobre a tentativa de lançar Kuuga na TV brasileira.

Aliás, lembro bem de ter lido uma entrevista com Angelotti, publicada em outubro de 2003 pelo extinto site Awika! (um antigo projeto do cantor e jornalista Ricardo Cruz que era dedicado ao tokusatsu e animês clássicos), que estava tentando encontrar uma emissora para exibir Kuuga na TV. Na época, Os Cavaleiros do Zodíaco estava de volta há um mês no ar pelo Cartoon Network, graças ao licenciamento da Dá Licença.

O tempo passou e jamais vimos o primeiro Rider da era Heisei por aqui. Uma pena. Como séries americanas são mais baratas, vimos em 2009 a série Kamen Rider: O Cavaleiro Dragão (adaptação de Kamen Rider Ryuki) na Globo e no Cartoon Network, enquanto era exibida nos EUA, Japão e outros países.

O destino do gênero tokusatsu poderia ser outro se os planos envolvendo estes dois clássicos tivessem dado certo. A extinção da Manchete talvez fosse um problema, pois a emissora carioca era referência quando o assunto era séries japonesas, apesar dos seus problemas. A falta de interesse da então recém-inaugurada RedeTV! nesse tipo de produção dificultou qualquer chance de tentar vingar com licenciamento de tokusatsu no Brasil.

Tiga e Kuuga serão muito bem lembrados pelos fãs brasileiros nos próximos meses. Acredito que essa lembrança teria um peso maior se as nossas tradicionais emissoras tivessem um pouco mais de visão. O gênero tokusatsu talvez seria mais próspero nas últimas duas décadas por aqui. Mas os tempos são outros. Felizmente temos boas alternativas além da TV.


O texto presente nesta coluna é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox.