É engraçado quantas colunas eu abro citando um exemplo de One Piece – eu, que nunca passei de Alabasta – e… bom, aqui vai mais uma.

Há alguns meses, foi lançado nos cinemas brasileiros o 15º filme da megafranquia One Piece, o divertido One Piece Film: Red. E desde o primeiro trailer dublado a ser lançado, uma coisa nele pegou muita gente desprevenida, apresentando algo bem inesperado: o filme, cuja trama gira em torno de uma cantora… teve suas músicas adaptadas para o português.

Para qualquer fã de animê de certa idade, o motivo para a surpresa é óbvio: adaptar músicas em dublagens de animê é algo que já saiu de “moda” há um tempo. Uma prática antes tão comum que foi aos poucos se limitando somente a grandes “séries geracionais” (Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball) e o ocasional novo título ousado (Yo-Kai Watch, Fairy Tail).

Mas, afinal, por que a prática parou? Em décadas passadas era algo visto como natural e esperado – era mais estranho as aberturas e encerramentos não serem adaptadas – e, agora, virou algo digno de nota. O que mudou aqui? Bom, eu não sei, mas tenho teorias.

No passado, nos longínquos anos 70 e 80 – meio século, aliás, encarem a mortalidade – dublagens de séries animadas eram algo feito somente para, e às vezes por, a TV aberta (especialmente porque, bem, TV a cabo não existia). Como única forma eficaz de disseminação de mídia (e a mais poderosa, mesmo depois da invenção da TV paga) sempre houve uma preocupação com as dublagens de produtos estrangeiros, delas atingirem um certo patamar de qualidade e acessibilidade, sem destoar com, ou prejudicar, o resto da identidade do canal.

Esse era o incentivo inicial para adaptar músicas nessas dublagens: em uma época em que era trabalhoso (e feio) incluir legendas para trechos em língua estrangeira, deixar tudo em português era importante. Não acontecia sempre, como muitas exceções podem mostrar – o antiguíssimo National Kid, por exemplo, com sua abertura em japonês que o meu pai gosta de cantar erroneamente até hoje! – mas a resposta do público era boa e as emissoras tinham ciência disso, especialmente as grandes, como a Globo.

Bom, também existia a prática de, na ausência de uma música em português, simplesmente cortar os clipes musicais inteiramente, ou deixar só o instrumental, mas vamos ignorar isso por enquanto.

E, claro, isso era especialmente importante para desenhos infantis. Ter crianças reproduzindo musiquinha de desenho no recreio é uma ótima forma de disseminar o produto, e eu vou apostar que algumas distribuidoras tomavam nota disso na hora de vender sua mais nova propaganda de 20 minutos para licenciantes.

Imagem: Kame, Goku e Malon em nuvem voadora, e Kuririn.

Divulgação: Toei.

Os animês que passaram aqui nos anos 90 se encaixavam aí também. Shurato, Os Cavaleiros do Zodíaco, Sailor Moon, Dragon Ball… as “anisongs” em português eram importantes divulgadoras, e, para a TV aberta, infinitamente preferíveis a músicas em japonês.

Nos anos 2000, a Globo inclusive se dava ao trabalho de fazer versões brasileiras de anisongs antes exibidas em japonês na TV paga, como as aberturas de Digimon Tamers e Popolocrois, e as músicas de inserção de Sakura Card Captors (hoje, Cardcaptor Sakura).

Ah, e só para cobrir todas as bases – “anisongs”, como o nome sugere, são músicas de animê, sejam elas temas de abertura, encerramento ou músicas de inserção. U

ma coisa interessante sobre elas, como é fácil de reparar, é que na maioria das vezes, particularmente desde a década de 90, não são realmente feitas para o animê em questão, sendo mais músicas pop comuns dissociadas do título acompanhante (embora o sucesso de um possa impulsionar o de outro).

Isso acontece porque animês costumam ser feitos em parceria com gravadoras (a Aniplex, produtora de enormes sucessos como Sword Art Online, Fullmetal Alchemist e Puella Magi Madoka Magica, por exemplo, é uma subsidiária da Sony Music Entertainment Japan), e, durante a produção, elas apresentam ao diretor do projeto uma seleção de lançamentos que querem vender, para que ele escolha o mais “adequado” para acompanhar o animê. Há também casos da produção selecionar um artista, ocorreu com LiSA em Demon Slayer.

E, curiosamente, o processo de dublagem também tem um pouco dessa separação entre a música e a obra em si. Geralmente, as versões brasileiras das anisongs são produzidas por uma equipe separada, focada na parte musical, idealmente com boa comunicação com a equipe de dublagem para não haver inconsistências. Naturalmente, nem sempre isso acontece, e muitas vezes o que é cantado acaba diferindo forte do que os personagens dizem antes e depois da música, no caso de uma música cantada ou ouvida dentro da obra.

Inclusive, também é por causa dessa separação que, normalmente, quando uma personagem canta, ela é interpretada por uma pessoa diferente de seu dublador. Às vezes, a voz de canto é semelhante o bastante à voz do dublador para não causar estranhamento… mas outras vezes, o oposto. Meu exemplo favorito é o de Corrector Yui: quando a personagem título, dublada pela saudosa Iara Riça, cantava a abertura da série, ela subitamente ganhava a voz muito mais adulta e grave da cantora da abertura, Marianna Leporace. E era sempre um pouco engraçado quando acontecia.

Mas voltando: tem vários candidatos para o “culpado” do fim das anisongs brasileiras, mas minha teoria pessoal é que foi a disseminação do fã convicto de animê, do “otaku”. Antes, não havia ninguém cantando músicas em japonês a todo volume no palco de uma AnimeCon para centenas de espectadores, mas uma vez que isso aconteceu, ficou bem claro que, para muitos fãs, as músicas em português não eram um requerimento. Dá para imaginar isso desanimando licenciantes a investirem no ramo.

Segundo fator a se considerar: possíveis questões legais. Como eu disse antes, muitas das aberturas não são produzidas para os animês, sendo só músicas de (às vezes grandes) artistas pop japoneses. Não vou dizer que entendo os pormenores do procedimento nesse caso, mas não duvido que haja algumas complicações (e custos) na hora de produzir versões em português de algumas dessas músicas.

E último fator: o formato de streaming. Dublagens agora são feitas de forma extremamente rápida, e não ter que adaptar músicas nelas poupa bastante tempo. Em adição a isso, o streaming (Netflix em particular) ativamente encoraja o telespectador a pular aberturas e encerramentos; logo, ainda menos incentivo para gastar essa grana extra na hora de localizar uma série para cá.

O que é uma pena para muitos de nós, que cresceram com essas músicas adaptadas. E… aliás, isso me faz pensar: por que, exatamente, nós, amantes das anisongs brasileiras, gostamos delas?

Digo, pense bem: nesses casos de músicas pop usadas como abertura (que é a maioria dos casos hoje em dia), não há realmente muito a se ganhar com músicas em português – raramente acrescentam significado às obras, e só existem pra promover o cantor japonês… sob vários ângulos, dublá-las parece até contraditório.

Imagem: LiSA em capa de "Homura".

Divulgação: Sony.

Acho que é porque a versão brasileira, como o nome indica, ajuda o conjunto da obra a parecer, de fato, “nosso”. A não nos tirar daquela experiência, daquele momento, de tudo estar em português; de certa forma, a replicar a experiência que os japoneses têm ao assistir animê, o que, muitos argumentariam, é o principal objetivo de uma localização.

Provavelmente não será o caso, mas torço para que One Piece Red (e algumas outras dublagens recentes, como Fairy Tail e Date A Live II) leve a mais localizações de anisongs. E, bem, se não rolar, sempre teremos os vários canais de covers brasileiros no YouTube, pelo menos!

Acho que a pergunta que eu preciso deixar para vocês é bem óbvia: qual é a anisong brasileira favorita de vocês? Ela é cantada pelo Nil Bernardes? Qual anisong você quer muito ver em versão brasileira oficial? E você quer que ela seja cantada por Nil Bernardes? Deixem suas respostas aí e até a próxima coluna!


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