Como, a essa altura, provavelmente todo mundo já sabe, uma dublagem brasileira de Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba entrou no catálogo da Netflix em alguns países do exterior. Talvez tenha sido um descuido da plataforma, ou realmente parte de falta de planejamento – os episódios dublados agora já vazaram na rede.

Seja como for, o fato marca a primeira vez que uma animação licenciada pela Aniplex ganha dublagem em português, mesmo que (ainda) indisponível no país.

Ou, pelo menos, uma animação que veio para cá por meio deles – tecnicamente, Samurai X é hoje deles mas sabemos bem que a dublagem foi bancada antes de adquirirem o título e deve estar perdida no mesmo baú onde se encontra a de Fullmetal Alchemist e talvez de outras séries que passaram pela extinta Animax.

Enfim, isso não vem ao caso agora. A questão aqui é: Essa nova dublagem muda alguma coisa ou é apenas “surfar na onda” de um grande hit?


Imagem: Banner de 'Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba' com Tanjiro, Nezuko, Zenitsu e Inosuke.

Divulgação: Aniplex.

A primeira coisa é que quem tem essa resposta não sou eu. Só a Aniplex sabe se planeja se reposicionar no mercado brasileiro de forma diferente. Mas eu posso tentar entender o contexto geral por alguns indícios. Um deles é tentar responder talvez a pergunta mais fundamental: quem foi o maior interessado nessa dublagem?

Por ter entrado apenas na Netflix, muitos especulam que a empresa teria feito algum contrato com a Aniplex para bancar ela mesma a dublagem, provavelmente de olho no grande sucesso do animê no Japão. Seria uma ótima jogada da Netflix… e sinal de péssima visão da Aniplex sobre o mercado brasileiro. O fato da empresa nunca ter investido em dublagem por aqui também deixa muitos descrentes que ela se interessaria agora.

Mas outros indícios apontam para outras direções. O estúdio de dublagem, Universal Cinergia, não traz a Netflix como um de seus clientes de destaque, sinal de que, se a empresa dubla coisas lá, não é muito recorrente (ou a parceria só teria começado agora). O estúdio também não coloca a Aniplex entre esses clientes.

Imagem: Nezuko quase virando um Oni.

Divulgação: Aniplex.

Outro ponto importante é a falta de nomes de elenco ao final – a Netflix geralmente segue a exigência legal de creditar os dubladores envolvidos na produção quando paga dublagens de séries. A ausência de nomes seria um indício de que a Aniplex, ou talvez um outro agente contratado por ela, teria encomendado a dublagem por conta própria.

Para mim, parece mais certeiro supor que a Aniplex é a maior interessada em dublar a jornada de Tanjiro para salvar sua irmã Nezuko, possivelmente até talvez planejando disponibilizar o filme por aqui de uma forma mais chamativa – se quiserem colocar esse filme nos cinemas, deixá-lo apenas legendado seria um limitador para o sucesso nas bilheterias.

Mas, então, por que a dublagem apareceu primeiro na Netflix, e não em outras plataformas? Nos EUA, a Aniplex colocou a dublagem primeiro no Toonami (outubro de 2019), depois na Funimation (dezembro de 2020) e só agora, em no final de janeiro de 2021, no “streaming vermelho”.

Bem, primeiro, tem cara de ser um erro da Netflix. Quando Cavaleiros do Zodíaco estreou dublado por lá, entraram as dublagens brasileira, hispano-americana e o que já havia sido dublado em inglês. Algumas semanas depois, só o áudio original e a dublagem brasileira permaneceram. A empresa às vezes erra na hora de disponibilizar os áudios das séries (e em outra questões organizacionais, como estamos vendo com One Piece).

No caso de Kimetsu, acredito ter sido só alguma confusão na hora de “programar”, como parece ter ocorrido com Shokugeki no Sohma: provavelmente essa opção de áudio deveria entrar para todos os países do continente americano assim que a série estreasse aqui – ou, ao menos, essa seria uma forma mais efetiva de controlar a pirataria. Ou é alguma estratégia estranha de marketing da Netflix, porque a dublagem permanece lá.

Imagem: Enmu, um dos Onis de 'Kimetsu'. Ele aparece bastante no filme 'Mugen Train'.

Divulgação: Aniplex.

Bem, se foi a Aniplex quem pagou, então é possível que sigam aqui a estratégia do mercado americano e planejem disponibilizar a dublagem em mais de uma plataforma. Pensando em popularização da série, é o que parece fazer mais sentido. Se você está em mais lugares, tem maiores chances de ser visto.

Ou seja, não há nada até o momento provando que essa é uma dublagem exclusiva da Netflix, mas também não seria estranho colocar apenas no streaming com maior alcance no Brasil (ao menos, entre os que oferecem animês). Enfim, exclusivo ou não, o serviço é peça importante principalmente se houver um plano de trazer o filme. É chance de “sair do nicho” – será que dá para sonhar com exibição na TV?

Agora, com tudo isso na cabeça, talvez possamos tentar responder a pergunta do início do texto (e sim, estamos construindo hipóteses em cima de hipóteses, já saímos do campo material no 4º parágrafo): é uma exceção ou um novo player entrando no mercado de dublagem?

Não há nem motivos para perguntar “por que Kimetsu?”, só o final de semana de estreia de Mugen Train já deve ter rendido o suficiente para bancar dublagem de tudo na América Latina inteira e ainda sobrar uns trocados para encomendar home-vídeo. A série é um sucesso inegável no Japão e exportá-la em outros idiomas parece um caminho natural.

Justamente por ser um fenômeno um tanto fora do padrão, Demon Slayer poderia ser apenas uma exceção, apenas um “bem, se ganhamos tanto aqui, vamos ver quanto conseguimos lá fora!”. Ao mesmo tempo, isso também o torna um bom candidato a servir como teste, até porque a empresa não deve estar alheia aos movimentos de outros agentes do mercado.

Imagem: Shinobu Kocho, o pilar (hashira) de Inseto.

Divulgação: Aniplex.

Se a série conseguir atingir um sucesso considerável – e não faço a menor ideia de qual a expectativa para o Brasil – talvez a Aniplex se convença que vale a pena investir mais em dublagens por aqui e passe a trazer mais títulos em português. Então, acho melhor encarar como uma forma da empresa tatear para saber se deve abrir essa porta.

No entanto, o “spoiler” talvez já tenha custado um pouco caro: a dublagem já caiu nos meios alternativos e isso certamente não estava nos planos nem da Aniplex e nem da Netflix. Mas o boom da notícia já é pelo menos um bom termômetro do alcance do animê.

Bem, sinceramente, Kimetsu me parece estar seguindo um caminho natural e, nesse sentido, é certamente uma exceção do catálogo da empresa. Mas torço bastante para que também esteja sendo visto como um termômetro e para que dê certo. A Aniplex tem um acervo enorme de animês de peso, que costumam fazer barulho nas temporadas.

Se essas séries começarem a chegar dubladas, seria sim um grande marco no mercado nacional de animês, que já esquentou nos últimos meses como não víamos há anos. A desvalorização do real (infelizmente) também ajuda essas empresas de fora a entrarem no mercado pois barateia custos.

Sei que muitos de vocês já estão em polvorosa torcendo por uma dublagem de Sword Art Online, Promised Neverland… Mas eu sinceramente queria mesmo é ver a Madoka falando em português.


Agradecimentos ao Vlad Schuler por checar a ausência de créditos aos dubladores brasileiros.


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