5pb e Nitroplus são dois nomes relativamente famosos entre o meio otaku. Enquanto a primeira é uma empresa de entretenimento que além ter lançado nomes do jpop como Ito Kanako, Zwei e Asriel, criou alguns jogos  notórios como 11eyes (que recebeu uma péssima adaptação para anime em 2009) e Skip Beat!, a segunda é uma empresa especializada em Visual Novels responsável por algumas obras de peso como Saya no Uta e a série de Light Novels Fate/Zero (em colaboração com a renomada Type-Moon).

Em abril de 2008 os dois grupos lançaram o primeiro jogo de seu projeto colaborativo de Aventuras Científicas, Chäos;HEAd, que serviu de base para o anime de que tratarei.

Chäos;HEAd conta a história de Takumi Nishijo, um garoto no limiar do comportamento hikikomori que vive num contêiner em cima de um prédio na cidade de Shibuya e passa seus dias jogando MMOs e tendo ilusões com uma personagem chamada Seira. Um dia, enquanto conversa com um amigo pela internet, Takumi descobre que estão ocorrendo diversos assassinatos brutais em sua região no que foi chamado de “New Generation Madness”. Após isso outro membro entra na sala sob o apelido de Shogun e envia diversas imagens de homicídios. Os casos aumentam a preocupação do garoto e isso só piora quando voltando de uma Lan House ele vê uma garota repetindo uma das mortes das fotos. Logo ele se vê envolvido numa série de assassinatos, conspirações e mentiras.

O anime foi produzido pelo já lendário estúdio MadHouse sendo exibido entre outubro e dezembro de 2008. Sendo um MadHouse, o mínimo que se esperaria é uma incrível qualidade técnica, porém não se pode dizer que isso exista em Chäos;HEAd. A animação é estranhamente fraca, o traço é desleixado e pouco detalhado e os character designs são idênticos aos da Visual Novel e portanto muito pouco originais – temos a colegial fofa, a aluna mais velha bonita e de cabelos longos, a xerox da Rei Ayanami e por aí vai. Tudo muito simples e pouco chamativo.

Eu costumo prestar uma atenção especial à trilha sonora de tudo que assisto, pois muitas vezes ela fala tanto quanto as imagens e é fato conhecido que uma música bem utilizada pode tornar uma cena épica (como a genial cena do massacre da Unidade 04 em Rebuild of Evangelion 2.22 ou as cenas finais do sétimo Kara no Kyoukai) ou sofrível como… a maioria das cenas de Chäos;HEAd. São poucos os momentos em que uma trilha é bem utilizada o que acaba causando uma sensação de vazio. Uma vez disseram que a música é o que dá graça à ficção e isso é bem verdade. Então como algo que não tem música pode ter graça? Exceções existem, entretanto são isso, exceções.

Porém o maior problema desse anime não é nada citado até agora.

Para quem não sabe, Visual Novel é um gênero muito popular no Japão que pode ser definido como “clicar e ler”. Basicamente tratam-se de aventuras “point’n click” como aquelas do tempo em que computadores não tinham processadores tão bons. Outro aspecto importante desse tipo de jogo é o que o torna difícil de se adaptar: as rotas alternativas. A maioria das Visual Novels contam com diversas escolhas que têm de serem feitas pelo jogador de modo que o enredo progrida de forma não linear, muitas vezes requerendo que se termine a aventura diversas vezes para que a trama possa ser entendida por completo.

Naturalmente isso é algo difícil de ser passado para uma mídia tão linear como a animação e muitas obras já sofreram com isso (que o diga Tsukihime). E em Chäos;HEAd isso foi piorado pela curta duração do anime e pela sofrível direção de Ishiyama Takaaki (Viewtiful Joe, Sakura Taisen Ouka Kenran). As personagens são mal exploradas e várias situações ficam extremamente forçadas devido ao pouco tempo dedicado à elas. Na verdade, exceto por Takumi, todas as personagens são horrivelmente trabalhadas e mesmo ele mais parece um arquétipo do protagonista do jogo seguinte da série, Steins;Gate.

Outra falha irritante da direção é tratar o espectador como idiota. Diversas vezes explicações desnecessárias são dadas, como aquela sobre o Cocytus, algo que poderia ser cortado em prol de um pouco mais de desenvolvimento da trama. Após assistir ao ultimo episódio do anime muitos ficarão com uma sensação de que muita coisa que foi dita não fazia o menor sentido. E de fato não fazia, pois a quantidade de pontos omitidos foi muito grande. Naturalmente cortes seriam necessários, mas não tantos quanto foram feitos.

Outro ponto que vale nota são as falhas na teoria física sobre o funcionamento do poder dos Gigalomaniacs. A hipótese levantada é que a mudança na força gravitacional da Terra aceleraria o biorritmo humano causando um aumento na atividade cerebral, assim deixando a população mais suscetível a ilusões, o que ampliaria o poder daqueles que podiam naturalmente manifestá-las. Entretanto se realmente houvesse uma taxa gravitacional tão alta como é dito no anime, o natural seria que o crescimento de organismos e a sustentação de estruturas também fossem afetados.

A explicação sobre a manifestação das armas também não faz muito sentido, pois ela parte da ideia de que partículas de energia presentes no vácuo podem decair em partículas de matéria e antimatéria e assim dar forma a objetos físicos. Entretanto, exceto sob condições específicas, partículas mais “leves” (energia) não decaem em partículas mais “pesadas” (matéria e antimatéria) e sim o contrário (matéria decai em energia). Mesmo que tal fenômeno ocorresse, a criação desses dois tipos de partículas as forçaria a se aniquilarem mutuamente assim retornando à forma de energia. O único modelo de universo físico onde um comportamento assim seria possível é no universo computacional proposto por Seth Lloyd, entretanto é sugerido em Steins;Gate que o universo de baseia em outro modelo. A tentativa de usar física real para explicar os eventos da série é louvável porém falha se o espectador se dispuser a um pouco de pesquisa.

Dentre todos os animes de que tratei até agora, Chäos;HEAd é facilmente o pior. Highschool of the Dead era tecnicamente bem feito e funcionava se você estivesse disposto a desligar o cérebro e se atirar de cabeça no cenário pós-apocalíptico colegial da série. Entretanto nesse caso há tantas tentativas de reflexões filosóficas e hipóteses científicas que é impossível não levar a obra a sério.

É triste ver como um estúdio que criou clássicos como Trigun, Paranoia Agent, BECK e Monster, chegou nesse estado. Pior ainda é ver uma obra boa como Chaos,Head ser tão maltratada numa adaptação. Todas as qualidades da Visual Novel foram perdidas e em troca não foi adicionado nada à obra. O resultado não poderia ter sido outro que não uma triste falha e o desperdício de um enredo cheio de potencial.

P.S: Ganha um doce quem adivinhar qual será o assunto da próxima coluna.

Título: Chäos;HEAd
Estúdio:
MadHouse
Gênero:
Aventura, Susprense, Drama
Direção:
Ishiyama Takaaki
Número de Episódios:
12

Lista de Episódios
01 – Kidou [Boot Up] / Inicialização
02 – Jiga [Ego]
03 – Sesshoku [Contact] /Contato
04 – Shodou [Commencing] / Começando
05 – Michibiki [Guidance] / Orientação
06 – Houyou [Embracement] / Acolhimento
07 – Jikaku [Realization] / Realização
08 – Rendou [Linkage] / Ligação
09 – Kyozetsu [Rejection] / Rejeição
10 – Senrei [Purification] /Purificação
11 – Jiritsu [Independence] / Independência
12 – Shimei [Mission] / Missão